Puisias & Afins

22 julio, 2008

Sidarta

(...)

“Serenamente, o Buda fitava o chão. Placidamente, com perfeita impassibilidade, luzia o rosto inescrutável.

- Oxalá- disse lentamente o Venerável- que teus pensamentos não sejam erros! Que te seja permitido alcançar teu destino! Mas, dize-me: Viste a multidão de meus samanas, o sem-número de meus irmãos, que se agasalharam na minha doutrina? E achas, ó samana forasteiro, achas realmente que seria melhor para todos eles que abandonassem a doutrina e regressassem à vida do mundo e dos prazeres?

- Longe de mim pensar semelhante coisa- exclamou Sidarta. – Que eles continuem fiéis à tua doutrina e realizem seus propósitos! Não me cumpre julgar a vida de outrem. Devo opinar, escolher, rejeitar unicamente no que se refere a mim mesmo. Nós, os samanas, procuramos a redenção do eu , ó Augusto. Ora, se eu fosse um dos teus discípulos, ó Venerável, poderia acontecer-me... assim receio... que meu eu só aparentemente, falazmente, obtivesse sossego e redenção, mas na realidade continuasse a viver e crescer, uma vez que eu teria então a tua doutrina, teria o fato de ser teu adepto, teria meu amor a ti, teria a comunidade dos monges e faria de tudo isso o meu eu.

Esboçando um meio sorriso, Gotama contemplava o forasteiro com inabalável clareza e bondade. A seguir, despedindo-o com um gesto quase imperceptível, disse o Augusto:

- És inteligente, ó samana. Sabes falar inteligentemente, mas, meu amigo, acautela-te contra o excesso de inteligência! “

(...)

Hermann Hesse