o visitante
Uma tempestade me joga no século XXI,
náufrago numa praia adversa.
Procuro por algumas palavras - nenhuma resposta.
Sei das ondas que aqui me trouxeram,
mas dessas colinas, desses cartazes, não sei.
Minhas roupas molhadas, lembranças, desejos
são ainda do século XX – perdidos na névoa de prata.
Meus olhos, que lacrimejam com o salitre e o sol,
meus sonhos, minhas histórias são dos séculos XIX,
XVIII, XVII... e de outros anteriores ainda.
Sento-me, cansado, numa pedra súbita, aguda,
e mais uma vez me pergunto:
poderei me acostumar a uma paisagem tão incerta?
Reconheço o ar que respiro, mas me penetra tão seco!
Sinto o sol arder-me na pele, e queima feito veneno!
As gaivotas ainda voam, como voavam ao redor do navio,
mas passam apressadas, distantes!
Sinto-me positivamente desconfortável neste deserto!
Uma implosão em cada olhar!
Um frêmito ensimesmado, cada um com o seu celular.
Inquieto, acendo um cigarro, mas logo uma sirene estridente
cai sobre mim e dispara: sorria, você está sendo filmado!
Assustado, jogo depressa o cigarro no mar, em cuja espuma
brincam alguns peixes, mas me parecem elásticos,
...e transparentes!
Os coqueiros mais... (brilhantes?),
as montanhas menos... (pousadas?),
e o céu, enfim, tão... (inconstante?).
levanto-me, sacudo o temor, o espanto,
vou em busca de um riacho lavar minha sede,
mas suas águas não sabem ser doces!
Encontro alguns frutos insípidos, rápidos,
tudo meio destemperado nesse lugar.
Vejo corpos degolados, discursos ensangüentados,
vejo pedaços de vidas à margem da vida...
Será mesmo uma praia da Terra este século XXI?
Ou será que o navio partido nos recifes ali,
que me trouxe, navegou por espaços vazios,
varou outros universos, paralelos, virtuais,
e me jogou numa praia alienígena?
Estarei porventura sozinho?
Haverá poetas aqui?
Encontrarei nessas veredas algum rastro de amor?
São apenas perguntas. – Onde, as respostas?
Em que rumo?
Em que veias?
Em que dor?
Pedro Lage
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