Puisias & Afins

11 marzo, 2008

carta de um amigo

Veja essa imagem do Mallarmé: Um cisne está preso num lago congelado da Europa. As pernas, o corpo imobilizados, a plumagem fatalmente prisioneira no grande bloco congelado. O pescoço e a cabeça estão também cobertos de neve, que continua caindo, mas estão livres no ar e podem receber alguma luz.
Com o pescoço e a cabeça ele conseguirá sacudir essa branca agonia, mas não o horror do chão congelado, onde a plumagem está imobilizada. Jamais conseguirá quebrar, com um golpe de asa bêbada, esse duro lago esquecido que mora sob a neve, nem a geleira transparente dos vôos que não fugiram. Você perguntará: - Por que ?. E eu prontamente respondo: Porque não cantamos a região onde viver, quando do inverno estéril resplandeceu o tédio.
A humanidade é escrava do consumismo, do industrialismo, e da baixeza da racionalidade econômica. Adora a imundice dos processos de produção e de consumo que lhe dão bens deliciosos e brilhantes. Foi ela que congelou o lago, a geografia e a sociologia que a envolve, um fantasma que dedicou seu brilho ao gelo, e se imobiliza ao sonho frio do desprezo que veste, no exílio inútil, o cisne.
Mora no Brasil um menino que é tão genial quanto o Mallarmé. Chamam ele de Chico. Ouço ao longe o lago dizendo para o cisne: Eu sou sua alma gêmea, sua fêmea, seu par, sua irmã. Eu sou seu incesto, seu jeito, seu gesto. Sou perfeito porque, igualzinho a você, eu não presto.